11 de março de 2016, conteúdo estudado com o Grupo André Luiz.
ENTÃO,
DESEJO SER O BURRINHO...
O Chico acabava de ver sair à
publicidade mais um dos belos e úteis livros
psicografados pelas suas mãos
abençoadas. E, além de cartas elogiosas ao
seu trabalho, recebia pessoalmente em
Pedro Leopoldo e em Belo Horizonte, quando lá comparecia, louvores e mais
louvores de confrades e irmãos outros simpáticos ao Espiritismo. E cada qual
lhe citava um fato que mais lhe agradou, realçando o valor do livro neste e
naquele aspecto.
O Chico andava atrapalhado com tantos
confetes sobre sua pessoa. E, em
casa, sossegado dos aplausos, dizia de si para
consigo:
— Vou deixar de psicografar, pois sou um
verdadeiro ladrão roubando
referências honrosas que não me
pertencem. Os abraços, os parabéns, os
elogios que recebo cabem aos Espíritos
de Emmanuel, André Luiz, Néio Lúcio e de outros, que são legítimamente os
autores dos livros magníficos. Preciso dar um jeito nisto. .
Néio Lúcio, que lhe traduzia o
pensamento, que lhe verificara os
propósitos, sorrindo, lhe aparece e diz:
— Não há razão, Chico, para sentir-se
você magoado com os elogios.
Também os merece.
— Não, Néio Lúcio, sinto-me como um
ingrato, ladrão, indigno...
— Bem, Chico, vou contar-lhe uma pequena
história: — em certo
município, dois distritos se
defrontavam, separados apenas por pequena
distância. Um, com a população quase
toda enfermada, sem recurso de
espécie alguma. O outro, cheio de vida,
víveres, remédios. Apenas faltava um agente intermediário entre os dois.
Ninguém queria servir de ligação, realizar o trabalho socorrista. Foi quando,
como mandado do céu, pareceu um burrinho humilde, manso, que, com pouco
trabalho, tomou-se “apiado”, obediente, capaz de levar, sem ninguém, do
distrito rico ao distrito pobre, os recursos de que careciam os irmãos enfermos
e sofredores. O burrinho, tendo ao lombo dois jacás, um de cada lado, foi
recebendo as dádivas:
Um colocava alimento, outro remédio,
mais outro, roupas.
Colocavam-no à trilha, e ele,
automaticamente, lá ia para o distrito
lazarento e faminto.
Em pouco, era esvaziada toda a carga e
voltava, como fora, alegre,
satisfeito por haver
cumprido um serviço salvacionista, abençoado, para repetir, noutras vezes,
quando necessário, a mesma tarefa cristã.
E, antes que Néio Lúcio concluísse, o
Chico exclamou:
— Está bem, Néio Lúcio, então, como
burrinho, aceito o serviço. E nunca
mais se importou com louvores, certo de
que agora
sabe qual a missão que realiza, entre a
terra e o céu, junto à Grande Causa.
Lição de humildade, de conhecimento de si mesmo. Lição para nós
todos...
Cap VII Bem-aventurados os pobres de espírito
O que se deve entender por
pobres de espírito
1. Bem-aventurados
os pobres de espírito, pois que deles é o Reino dos Céus. (Mateus,5:3.)
2. A incredulidade
zombou desta máxima: Bem-aventurados os pobres
de espírito, como tem
zombado de muitas outras coisas que não compreende.
Por pobres de espírito Jesus não
entende os baldos de inteligência, mas
os humildes, tanto que diz ser
para estes o Reino dos Céus, e não para os
orgulhosos.
Os homens de saber e de
espírito, no entender do mundo, formam
geralmente tão alto conceito de
si próprios e da sua superioridade, que
consideram as coisas divinas
como indignas de lhes merecer a atenção.
Concentrando sobre si mesmos os
seus olhares, eles não os podem elevar
até Deus. Essa tendência, de se
acreditarem superiores a tudo, muito
amiúde os leva a negar aquilo
que, estando-lhes acima, os depreciaria,
a negar até mesmo a Divindade.
Ou, se condescendem em admiti-la,
contestam-lhe um dos mais belos
atributos: a ação providencial sobre
as coisas deste mundo,
persuadidos de que eles são suficientes para bem
governá-lo. Tomando a
inteligência que possuem para medida da inteligência universal, e julgando-se
aptos a tudo compreender, não podem crer na possibilidade do que não
compreendem. Consideram sem apelação as sentenças que proferem.
Se se recusam a admitir o mundo
invisível e uma potência extra-humana,
não é que isso lhes esteja fora
do alcance; é que o orgulho se lhes
revolta à ideia de uma coisa
acima da qual não possam colocar-se e que
os faria descer do pedestal onde
se contemplam. Daí o só terem sorrisos
de mofa para tudo o que não
pertence ao mundo visível e tangível. Eles
se atribuem espírito e saber em
tão grande cópia, que não podem crer em
coisas, segundo pensam, boas
apenas para gente simples, tendo por pobres de espírito os que as tomam
a sério.
Entretanto, digam o que
disserem, forçoso lhes será entrar, como
os outros, nesse mundo invisível
de que escarnecem. É lá que os olhos se
lhes abrirão e eles reconhecerão
o erro em que caíram. Deus, porém, que
é justo, não pode receber da
mesma forma aquele que lhe desconheceu a
majestade e outro que
humildemente se lhe submeteu às leis, nem os aquinhoar em partes iguais.
Dizendo que o Reino dos Céus é
dos simples, quis Jesus significar
que a ninguém é concedida
entrada nesse Reino, sem a simplicidade de coração e humildade de espírito; que o
ignorante possuidor dessas qualidades será preferido ao sábio que mais crê em
si do que em Deus. Em todas as circunstâncias, Jesus põe a humildade na
categoria das virtudes que aproximam de Deus e o orgulho entre os vícios que
dele afastam a criatura, e isso por uma razão muito natural: a de ser a
humildade um ato de submissão a Deus, ao passo que o orgulho é a revolta contra
Ele. Mais vale, pois, que o homem, para felicidade do seu futuro, seja pobre em
espírito,
conforme o entende o mundo, e rico em qualidades morais.
Aquele
que se eleva será rebaixado
3. Por essa
ocasião, os discípulos se aproximaram de Jesus e lhe perguntaram:
“Quem é o maior no Reino dos
Céus?” — Jesus, chamando a si um menino, o colocou no meio deles e respondeu:
“Digo-vos, em verdade, que, se não vos converterdes e tornardes quais crianças,
não entrareis no Reino dos Céus. Aquele, Bem-aventurados
os pobres de espírito
portanto, que se
humilhar e se tornar pequeno como esta criança será o maior no Reino dos Céus e aquele que
recebe em meu nome a uma criança, tal como acabo de dizer, é a mim mesmo que
recebe.” (Mateus, 18:1 a 5.)
4. Então, a mãe
dos filhos de Zebedeu se aproximou dele com seus dois filhos e o adorou, dando
a entender que lhe queria pedir alguma coisa. Disse-lhe Ele:
“Que queres?” “Manda”, disse
ela, “que estes meus dois filhos tenham assento no teu Reino, um à tua direita
e o outro à tua esquerda.” — Mas Jesus lhe respondeu:
“Não sabes o que pedes; podeis
vós ambos beber o cálice que Eu vou
beber?” — Eles responderam:
“Podemos.” — Jesus lhes replicou: “É certo que bebereis o cálice que Eu beber;
mas, pelo que respeita a vos sentardes à minha direita ou à minha esquerda, não
me cabe a mim vo-lo conceder; isso será para aqueles a quem meu Pai o tem
preparado.” — Ouvindo isso, os dez outros apóstolos se encheram de indignação
contra os dois irmãos. Jesus, chamando-os para perto de si, lhes disse: “Sabeis
que os príncipes das nações as dominam e que os grandes as tratam com império.
Assim não deve ser entre vós; ao contrário, aquele que quiser
tornar-se o
maior, seja vosso servo; e aquele que quiser ser o primeiro entre vós seja
vosso escravo; do mesmo modo que o Filho do Homem não veio para ser
servido, mas para servir e dar a vida pela redenção de muitos.” (Mateus, 20:20 a 28.)
5. Jesus entrou em
dia de sábado na casa de um dos principais fariseus para aí fazer a sua
refeição. Os que lá estavam o observaram. Então, notando que os convidados
escolhiam os primeiros lugares, propôs-lhes uma parábola, dizendo:
“Quando fordes convidados para
bodas, não tomeis o primeiro lugar,
para que não suceda que, havendo
entre os convidados uma pessoa mais considerada do que vós, aquele que vos haja
convidado venha a dizer-vos: dai o vosso lugar a este, e vos vejais
constrangidos a ocupar, cheios de vergonha, o último lugar. Quando fordes
convidados, ide colocar-vos no último lugar, a fim de que, quando aquele que
vos convidou chegar, vos diga: meu amigo, venha mais para cima. Isso então será
para vós um motivo de glória, diante de todos os que estiverem convosco à mesa;
porquanto
todo aquele que se eleva será rebaixado e todo aquele que se abaixa será
elevado.”
(Lucas, 14:1 e 7 a
11.)
6. Estas máximas
decorrem do princípio de humildade que Jesus não
cessa de apresentar como
condição essencial da felicidade prometida aos
eleitos do Senhor e que Ele
formulou assim: “Bem-aventurados os pobres
de espírito, pois que o Reino
dos Céus lhes pertence.” Ele toma uma criança como tipo da simplicidade de
coração e diz: “Será o maior no Reino dos Céus aquele que se humilhar e se fizer
pequeno como uma criança, isto é, que nenhuma pretensão alimentar à superioridade ou
à infalibilidade.
A mesma ideia fundamental se nos
depara nesta outra máxima: Seja
vosso servidor
aquele que quiser tornar-se o maior, e nesta outra: Aquele que se
humilhar será exalçado e aquele que se elevar será rebaixado.
O Espiritismo sanciona pelo
exemplo a teoria, mostrando-nos na
posição de grandes no mundo dos
Espíritos os que eram pequenos na
Terra; e bem pequenos, muitas
vezes, os que na Terra eram os maiores e os mais poderosos. E que os primeiros,
ao morrerem, levaram consigo aquilo que faz a verdadeira grandeza no céu e que
não se perde nunca: as virtudes, ao passo que os outros tiveram de deixar aqui
o que lhes constituía a grandeza terrena e que se não leva para a outra vida: a
riqueza, os títulos, a glória, a nobreza do nascimento. Nada mais possuindo
senão isso chegam ao outro mundo privados de tudo, como náufragos que tudo
perderam, até as próprias roupas. Conservaram apenas o orgulho que mais
humilhante lhes torna a nova posição, porquanto veem colocados acima de si e
resplandecentes
de glória os que eles na Terra
espezinharam.
O Espiritismo aponta-nos outra
aplicação do mesmo princípio nas
encarnações sucessivas, mediante
as quais os que, numa existência, ocuparam as mais elevadas posições, descem,
em existência seguinte, às mais ínfimas condições, desde que os tenham dominado
o orgulho e a ambição.
Não procureis, pois, na Terra,
os primeiros lugares, nem vos colocar acima
dos outros, se não quiserdes ser
obrigados a descer. Buscai, ao contrário, o lugar mais humilde e mais modesto,
porquanto Deus saberá dar-vos um
mais elevado no céu, se o merecerdes..
A LIÇÃO DOS CHUCHUS...
Dona Maria Pena, que era viúva do Raimundo, irmão do Chico, julgava
que
este era um mão aberta.
Não era muito crente do dar sem receber.
E, certa manhã, em que,
sobremodo, sentia a missão do Médium,
que muito estimava, disse-lhe:
— Chico, não acredito muito nas suas
teorias de servir, de ajudar, de dar e
dar sempre, sem uma recompensa. Não vejo
nada que você recebe em troca
do que faz, do que dá, do que realiza.
— Mas, tudo quanto fazemos com sinceridade
e amor no coração, Deus
abençoa. E, sempre que distribuímos, que
damos com a direita sem a
esquerda ver, fazemos uma boa ação e,
mais cedo ou mais tarde,
receberemos a resposta do Pai. Pode crer
que quem faz o bem, além de viver
no bem, colhe o bem.
— Então, vamos experimentar. Tenho aqui
dois chuchus. Se alguém aqui
aparecer, vou lhos dar e quero ver se,
depois, recebo outros dois.
Ainda bem não acabara de falar, quando a
vizinha do lado esquerdo, pelo
muro, chama:
— Dona Maria, pode me dar ou emprestar
uns dois chuchus?
— Pois não, minha amiga, aqui os tem,
faça deles um bom guisado.
Daí a instante, sem que pudesse
refazer-se da surpresa que tivera, a
vizinha do lado direito, também pelo
muro, ofereceu quatro chuchus a D. Maria.
Meia hora depois, a vizinha dos fundos pede a D. Maria uns chuchus e
esta a presenteia com os quatro que
ganhara.
A vizinha da frente, quase em seguida,
sem que soubesse o que
acontecia, oferece à cunhada do nosso
querido Médium, oito chuchus.
Por fim, já sentindo a lição e agindo
seriamente, D. Maria évisitada por
uma amiga de poucos recursos econômicos.
Demora-se um pouco, o tempo bastante
para desabafar sua pobreza.
À saída, recebe, com outros mantimentos,
os oito chuchus...
E dona Maria diz para o Chico:
— Agora quero ver se ganho dezesseis
chuchus, era só o que faltava para
completar essa brincadeira...
Já era tarde.
Estava na hora de regressar ao serviço e
Chico partiu, tendo antes enviado
à prezada irmã um sorriso amigo e
confiante, como a dizer-lhe: — “Espere e
verá”.
Aí pelas dezoito horas, regressou o
Chico à casa.
Nada havia sucedido com relação aos
chuchus..
Dona Maria olhava para o Chico com ar de
quem queria dizer:
“Ganhei ou não?. .
Às vinte horas, todos na sala,
juntamente com o Chico, conversam e nem
se lembram mais do caso dos chuchus,
quando alguém bate à porta.
Dona Maria atende.
Era um senhor idoso, residente na roça.
Trazia no seu burrinho uns pequenos
presentes para Dona Maria, em
retribuição às refeições que sempre lhe
dá, quando vem à cidade.
Colocou à porta um pequeno saco.
Dona Maria abre-o nervosa e
curiosamente.
Estava repleto de chuchus.
Contou-os: sessenta e quatro: Oito vezes
mais do que havia, ultimamente,
dado...
Era demais.
A graça, em forma de lição, excedia à
expectativa, era mais do que
esperava.
E, daí por diante, Dona Maria
compreendeu que aquele que dá recebe
sempre mais.
Cap XIII Não saiba a vossa mão esquerda o que
dê a vossa mão direita
Fazer o bem
sem ostentação
1. Tende
cuidado em não praticar as boas obras diante dos homens, para serem vistas,
pois, do contrário, não recebereis recompensa de vosso Pai que está nos céus.
Assim, quando derdes esmola, não façais tocar a trombeta diante de vós, como
fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem louvados pelos homens.
Digo-vos, em verdade, que eles já receberam sua recompensa. Quando derdes
esmola, não saiba a vossa mão esquerda o que faz a vossa mão direita; a fim de
que a esmola fique em segredo, e vosso Pai, que vê o que se passa em segredo,
vos recompensará. (Mateus, 6:1 a 4.)
2. Tendo
Jesus descido do monte, grande multidão o seguiu. Ao mesmo tempo, um leproso[i]
veio ao seu encontro e o adorou, dizendo: “Senhor, se quiseres, poderás
curar-me.” — Jesus, estendendo a mão, o tocou e disse: “Quero-o, fica curado”
— no mesmo
instante desapareceu a lepra. Disse-lhe então Jesus: “Abstém-te de falar disto
a quem quer que seja; mas vai mostrar-te aos sacerdotes e oferece o dom prescrito
por Moisés, a fim de que lhes sirva de prova.” (Mateus, 8:1 a 4.)
3. Em fazer
o bem sem ostentação há grande mérito; ainda mais meritório é ocultar a mão que
dá; constitui marca incontestável de grande superioridade moral, porquanto,
para encarar as coisas de mais alto do que o faz o vulgo, mister se torna
abstrair da vida presente e identificar-se com a vida futura; numa palavra,
colocar-se acima da Humanidade, para renunciar à satisfação que advém do
testemunho dos homens e esperar a aprovação de Deus. Aquele que prefere ao de
Deus o sufrágio dos homens prova que mais fé deposita nestes do que na Divindade
e que mais valor dá à vida presente do que à futura. Se diz o contrário,
procede como se não cresse no que diz.
Quantos há
que só dão na esperança de que o que recebe irá bradar por toda a parte o
benefício recebido! Quantos os que, de público, dão grandes somas e que,
entretanto, às ocultas, não dariam uma só moeda!
Foi por isso
que Jesus declarou: “Os que fazem o bem ostentosamente já receberam sua
recompensa.” Com efeito, aquele que procura a sua própria glorificação na
Terra, pelo bem que pratica, já pagou a si mesmo; Deus nada mais lhe deve; só
lhe resta receber a punição do seu orgulho.
Não saber a
mão esquerda o que dá a mão direita é uma imagem que caracteriza admiravelmente
a beneficência modesta. Mas, se há a modéstia real, também há a falsa modéstia,
o simulacro da modéstia. Há pessoas que ocultam a mão que dá, tendo, porém, o
cuidado de deixar aparecer um pedacinho, olhando em volta para verificar se
alguém não o terá visto ocultá-la. Indigna paródia das máximas do Cristo! Se os
benfeitores orgulhosos são depreciados entre os homens, que não será perante
Deus? Também esses já receberam na Terra sua recompensa. Foram vistos; estão
satisfeitos por terem sido vistos. É tudo o que terão.
E qual
poderá ser a recompensa do que faz pesar os seus benefícios sobre aquele que os
recebe, que lhe impõe, de certo modo, testemunhos de reconhecimento, que lhe
faz sentir a sua posição, exaltando o preço dos sacrifícios a que se vota para
beneficiá-lo? Oh! para esse, nem mesmo a recompensa terrestre existe, porquanto
ele se vê privado da grata satisfação de ouvir bendizer-lhe do nome e é esse o
primeiro castigo do seu orgulho.
As lágrimas
que seca por vaidade, em vez de subirem ao Céu, recaíram Não saiba a vossa mão
esquerda o que dê a vossa mão direita sobre o coração do aflito e o ulceraram.
Do bem que praticou nenhum proveito lhe resulta, pois que ele o deplora, e todo
benefício deplorado é moeda falsa e sem valor.
A
beneficência praticada sem ostentação tem duplo mérito. Além de ser caridade
material, é caridade moral, visto que resguarda a suscetibilidade do
beneficiado, faz-lhe aceitar o benefício, sem que seu amor-próprio se ressinta
e salvaguardando-lhe a dignidade de homem, porquanto aceitar um serviço é coisa
bem diversa de receber uma esmola. Ora, converter em esmola o serviço, pela
maneira de prestá-lo, é humilhar o que o recebe, e, em humilhar a outrem, há
sempre orgulho e maldade. A verdadeira caridade, ao contrário, é delicada e
engenhosa no dissimular o benefício, no evitar até as simples aparências
capazes de melindrar, dado que todo atrito moral aumenta o sofrimento que se
origina da necessidade. Ela sabe encontrar palavras brandas e afáveis que
colocam o beneficiado à vontade em presença do benfeitor, ao passo que a
caridade orgulhosa o esmaga. A verdadeira generosidade adquire toda a
sublimidade, quando o benfeitor, invertendo os papéis, acha meios de figurar
como beneficiado diante daquele a quem presta serviço. Eis o que significam
estas palavras: “Não saibaa mão esquerda o que dá a direita.”
[i]N.E.:
Na época em que esta obra foi escrita, esse termo era comum, mas atualmente é
considerado pejorativo e/ou preconceituoso. Hanseníase morfeia, mal de Hansen
ou mal de Lázaro é uma doença infecciosa causada pela bactéria Mycobacterium
leprae (também conhecida como bacilo de hansen) que afeta os nervos e a pele,
podendo provocar danos severos.