Bom dia queridos amigos!, no dia 8 do mês de maio, iniciamos o estudo do nosso codificador Allan Kardec, compartilhamos com vocês o texto que estudamos junto com os nossos colegas do grupo de estudos iniciantes.
1. O menino Hippolyte
1.1 Nascimento
Allan Kardec, cujo verdadeiro nome é
Hippolyte Léon Denizard Rivail, nasceu na cidade de Lião (França), a 3 de
outubro de 1804, no seio de antiga família lionesa, de nobres e dignas tradições.
Foram seus pais Jean-Baptiste Antoine
Rivail, magistrado íntegro, e Jeanne Louise Duhamel [...]. O futuro codificador
do Espiritismo recebeu um nome querido e respeitado e todo um passado de
virtudes, de honra e probidade. Grande número de seus antepassados se tinham
distinguido na advocacia, na magistratura e até mesmo no trato dos problemas
educacionais. Bem cedo, o menino se revelou altamente inteligente e agudo
observador, denotando franca inclinação para as ciências e para os assuntos
filosóficos, compenetrado de seus deveres e responsabilidades, como se fora um adulto.
1.2 Primeiros estudos.
O Instituto de Yverdon
Conforme na conta Henri Sausse
[biógrafo de Kardec], Rivail realizou seus primeiros estudos em Lião, sua
cidade natal, sendo educado dentro de severos princípios de honradez e retidão
moral. É de se presumir que a influência paterna e materna tenham sido das mais
benéficas na sua infância, constituindo-se em fonte de nobres sentimentos. Com
a idade de dez anos, seus pais o enviam a Yverdon (ou Yverdun), cidade suíça do
cantão de Vaud, situada na extremidade S. O. do lago Neuchâtel e na foz do
Thiele, a fim de completar e enriquecer sua bagagem escolar no célebre
Instituto de Educação ali instalado em 1805, pelo professor-filantropo João
Henrique Pestalozzi [...]. Frequentado todos os anos por grande número de
estrangeiros, citado, descrito, imitado, era, numa palavra, a escola modelo da
Europa 15.
Altas personalidades políticas,
científicas, literárias e filantrópicas voltavam maravilhadas de suas visitas
ao famoso Instituto. Louvaram o criador dessa obra revolucionária, e por ela
também se interessaram Göethe; o rei da Prússia, Frederico Guilherme III, e sua
esposa Luísa; o czar da Rússia, Alexandre I; o rei Carlos IV da Espanha; os
reis da Baviera e de Wurtemberg; o imperador da Áustria; a futura imperatriz do
Brasil, D. Leopoldina de Áustria, e muitos expoentes da nobreza européia e do
mundo cultural.
O menino Denizard Rivail, ao qual os
destinos reservariam sublime missão, logo se revelou um dos discípulos mais
fervorosos do insigne pedagogista suíço [...]. Possuidor de inteligência
penetrante e alto espírito de observação, e, ainda mais, inclinado naturalmente
para a solução dos importantes problemas do ensino e para o estudo das ciências
e da filosofia, – Rivail cativou a simpatia e a admiração do velho professor,
deste se tornando, pouco depois, eficiente colaborador. Os exemplos de amor ao
próximo fornecidos por Pestalozzi [para quem o amor é o eterno fundamento da
educação] norteariam para sempre a vida do futuro Codificador do Espiritismo.
Aliás, até mesmo aquele bom-senso, que Flammarion com felicidade aplicou a
Rivail, foi cultivado e avigorado com as lições e os exemplos recebidos no
Instituto de Yverdon, onde também lhe
desabrocharam as ideias que mais tarde o colocariam na classe dos homens progressistas
e dos livres-pensadores.
2.1 As obras didáticas
Sem dúvida, chegando à capital da
França, Denizard Rivail logo se pôs a exercer o magistério, aproveitando as
horas vagas para traduzir obras inglesas e alemãs, e para preparar o seu
primeiro livro didático 17. Assim é que em dezembro de 1823, lançou o Curso
Prático e Teórico de Aritmética, segundo o método de Pestalozzi, com
modificações. O Cours d´Arithmétique (Curso de Aritmética) constituiu a
primeira obra de cunho pedagógico e a primeira entre todas as demais dadas a
público por Rivail. O futuro Codificador do Espiritismo, com apenas dezoito
anos de idade [...], empregara esforços e talento na preparação do utilíssimo
livro, assentando- o em bases pestalozzianas, mas com muitas ideias originais e
práticas do próprio autor. A obra em questão era recomendada aos instrutores e
às mães de família que desejassem dar aos seus filhos as primeiras noções de
Aritmética, e primava pela simplicidade e clareza, qualidades estas que são,
aliás, o principal mérito de todas as publicações de Rivail-Kardec. O método
por ele empregado desenvolve gradualmente. Estudo Sistematizado da Doutrina
Espírita as faculdades intelectuais do aluno. Este não se limita a reter as
fórmulas pela memória: penetra-lhes a essência, por assim dizer 18.
Além dessa obra, Rivail publicou
numerosos livros didáticos, bem como planos e projetos dirigidos à reforma do
ensino francês, numa verdadeira fertilidade pedagógica, no dizer de Wantuil e
Thiesen 22. Destacaremos, dentre outras, as seguintes obras: Curso Completo
Teórico e Prático de Aritmética (1845); Plano Proposto para a Melhoria da
Educação Pública (1828); Gramática Francesa Clássica (1831); Qual o Sistema de
Estudos Mais em Harmonia com as Necessidades da Época? (1831); Memória sobre a
Instrução Pública (1831); Manual dos Exames para os Títulos de Capacidade
(1846); Soluções dos Exercícios e Problemas do Tratado
Completo de Aritmética (1847); Projeto
de Reforma no tocante aos Exames e aos Educandários para meninas (1847);
Catecismo Gramatical da Língua Francesa (1848); Ditados Normais dos Exames
(1849); Ditados da Primeira e da Segunda Idade (1850); Gramática Normal dos
Exames (com Lévi-Alvarès – 1849); Curso de Cálculo Mental (1845, ou antes);
Programa dos Cursos Usuais de Física, Química, Astronomia e Fisiologia (1849,
provavelmente) 14.
O ensino intuitivo
Como não podia deixar de ser, Rivail
utilizou-se do ensino intuitivo, processo didático preconizado por Pestalozzi
e, segundo o qual, se transmite ao educando a realização, a atualização da
idéia, recorrendo-se aos exercícios de intuição sensível (educação dos
sentidos), com passagem natural a atividades mentais que preludiam a intuição
intelectual. A ideia existe originariamente na criança, e a intuição sensível é
somente a sua realização concreta, único meio de a idéia se tornar
compreensível, porque se encontra como força modeladora que vive e atua na
criança. O ensino intuitivo se funda na substituição do verbalismo e do ensino
livresco pela observação, pelas experiências, pelas representações gráficas,
etc., operando sobre todas as faculdades da criança. A base da instrução
elementar de Pestalozzi – afirmou Jullien de Paris – é a INTUIÇÃO, que ele
considera como o fundamento geral de nossos conhecimentos e o meio mais
adequado para desenvolver as forças do espírito humano, da maneira mais natural
19.
2.3 O exercício das funções diretivas e educativas
Tendo fundado em 1826, em Paris, a
Instituição Rivail 20, o jovem professor aí exerceu funções diretivas e
educativas, desenvolvendo notável trabalho de aprimoramento da inteligência de
centenas de educandos, aos quais ele carinhosamente chamava meus amigos 21.
Deve-se ressaltar que tanto na Instituição, como em muitos outros de seus
empreendimentos, Rivail pôde contar com o apoio e a dedicação da Profª
Amélie-Gabrielle Boudet, com quem se casara em 1832 21. Foi no decorrer de sua
carreira de instrutor-filantropo que Rivail exercitou a paciência, a abnegação,
o trabalho, a observação, a força de vontade e o amor às boas causas, a fim de
melhor poder desempenhar a gloriosa missão que lhe estava reservada 23. Assim,
antes mesmo que o Espiritismo lhe popularizasse e imortalizasse o pseudônimo
Allan Kardec, já havia Rivail firmado bem alto, no conceito do povo francês e
no respeito de autoridades e professores, a sua reputação de distinguido mestre
da Pedagogia moderna, com o seu nome inscrito em importantes obras
bibliográficas 23. 3. A missão 3.1 Os primeiros contatos com os fenômenos
mediúnicos Conforme já foram comentados no item dois do roteiro um deste
Módulo, em meados do século XIX as mesas girantes revolucionaram a Europa,
sobretudo a França, chamando a atenção de toda a sociedade, inclusive da
imprensa. O professor Rivail, estudioso do magnetismo, assim se expressa, a
respeito dos novos fatos: Foi em 1854 que pela primeira vez ouvi falar das
mesas girantes. Encontrei um dia o magnetizador, Senhor Fortier, a quem eu
conhecia desde muito tempo e que me disse: Já sabe da singular propriedade que
se acaba de descobrir no Magnetismo? Parece que já não são somente as pessoas
que se podem magnetizar, mas também as mesas, conseguindo-se que elas girem e
caminhem à vontade. — É, com efeito, muito singular, respondi; mas, a rigor,
isso não me parece radicalmente impossível. O fluido magnético, que é uma
espécie de eletricidade, pode perfeitamente atuar sobre os corpos inertes e
fazer que eles se movam. [...] Algum tempo depois, encontrei-me novamente com o
Sr. Fortier, que me disse: Temos uma coisa muito mais extraordinária; não só se
consegue que uma mesa se mova, magnetizando-a, como também que fale.
Interrogada, ela responde. — Isto agora, repliquei-lhe, é outra questão. Só
acreditarei quando o vir e quando me provarem que uma mesa tem cérebro para
pensar, nervos para sentir e que possa tornar-se sonâmbula. Até lá, permita que
eu não veja no caso mais do que um conto para fazer-nos dormir em pé. Era
lógico este raciocínio: eu concebia o movimento por efeito de uma força
mecânica, mas, ignorando a causa e a lei do fenômeno, afigurava sê-me absurdo
atribuir-se inteligência a uma coisa puramente material. Achava-me na posição
dos incrédulos atuais, que negam porque apenas veem um fato que não compreendem.
Eu estava, pois, diante de um fato inexplicado, aparentemente contrário às leis
da Natureza e que a minha razão repelia. Ainda nada vira, nem observara; as experiências,
realizadas em presença de pessoas honradas e dignas de fé, confirmavam a minha
opinião, quanto à possibilidade do efeito puramente material; a ideia, porém,
de uma mesa falante ainda não me entrara na mente. No ano seguinte, estávamos
em começo de 1855, encontrei-me com o Sr.Carlotti, amigo de 25 anos, que me
falou daqueles fenômenos durante cerca de uma hora, com o entusiasmo que
consagrava a todas as ideias novas [...]. Passado algum tempo, pelo mês de maio
de 1855, fui à casa da sonâmbula Sra. Roger, em companhia do Sr. Fortier, seu
magnetizador. Lá encontrei o Sr. Pâtier e a Sra. Plainemaison, que daqueles
fenômenos me falaram no mesmo sentido em que o Sr. Carlotti se pronunciara, mas
em tom muito diverso. O Sr. Pâtier era [...] muito instruído, de caráter grave,
frio e calmo; sua linguagem pausada, isenta de todo entusiasmo, produziu em mim
viva impressão e, quando me convidou a assistir às experiências que se
realizavam em casa da Sra. Plainemaison, à rua Grange Batelière, 18, aceitei
imediatamente [...]. Foi aí que, pela primeira vez, presenciei o fenômeno das
mesas que giravam, saltavam e corriam, em condições tais que não deixavam lugar
para qualquer dúvida. Assisti então a alguns ensaios, muito imperfeitos, de
escrita mediúnica numa ardósia, com o auxílio de uma cesta. Minhas ideias
estavam longe de precisar-se, mas havia ali um fato que necessariamente
decorria de uma causa. Eu entrevia, naquelas aparentes futilidades, no
passatempo que faziam daqueles fenômenos, qualquer coisa de sério, como que a
revelação de uma nova lei, que tomei a mim estudar a fundo.
Bem depressa, ocasião se me ofereceu
de observar mais atentamente os fatos, como ainda o não fizera. Numa das
reuniões da Sra. Plainemaison, travei conhecimento com a família Baudin, que
residia então à rua Rechechouart. O Sr. Baudin me convidou para assistir às
sessões hebdomadárias que se realizavam em sua casa e às quais me tornei desde
logo muito assíduo. [...] Os médiuns eram as duas senhoritas Baudin, que
escreviam numa ardósia com o auxílio de uma cesta, chamada carrapeta e que se
encontra descrita em O Livro dos Médiuns.
Esse processo, que exige o concurso de
duas pessoas, exclui toda possibilidade de intromissão das ideias do médium.
Aí, tive ensejo de ver comunicações contínuas e respostas a perguntas
formuladas, algumas vezes, até, a perguntas mentais, que acusavam, de modo
evidente, a intervenção de uma inteligência estranha.
3.2 Os primeiros estudos sérios de Espiritismo
Foi nessas reuniões [na casa da
família Baudin] que comecei os meus estudos sérios de Espiritismo, menos,
ainda, por meio de revelações, do que de observações.
[...] Compreendi, antes de tudo, a gravidade
da exploração que ia empreender; percebi, naqueles fenômenos, a chave do
problema tão obscuro e tão controvertido do passado e do futuro da Humanidade,
a solução que eu procurara em toda a minha vida. Era, em suma, toda uma revolução
nas ideias e nas crenças; fazia-se mister, portanto, andar com a maior
circunspeção e não levianamente; ser positivista e não idealista, para não me
deixar iludir.
Um dos primeiros resultados que colhi
das minhas observações foi que os Espíritos, nada mais sendo do que as almas
dos homens, não possuíam nem a plena sabedoria, nem a ciência integral; que o
saber de que dispunham se circunscrevia ao grau, que haviam alcançado, de
adiantamento, e que a opinião deles só tinha o valor de uma opinião pessoal.
Reconhecida desde o princípio, esta verdade me preservou do grave escolho de
crer na infalibilidade dos Espíritos e me impediu de formular teorias
prematuras, tendo por base o que fora dito por um ou alguns deles.
O simples fato da comunicação com os Espíritos,
dissessem eles o que dissessem, provava a existência do mundo invisível
ambiente. Já era um ponto essencial, um imenso campo aberto às nossas
explorações, a chave de inúmeros fenômenos até então inexplicados. O segundo
ponto, não menos importante, era que aquela comunicação permitia se conhecessem
o estado desse mundo, seus costumes, se assim nos podemos exprimir. Vi logo que
cada Espírito, em virtude da sua posição pessoal e de seus conhecimentos, me
desvendava uma face daquele mundo, do mesmo modo que se chega a conhecer o
estado de um país, interrogando habitantes seus de todas as classes, não
podendo um só, individualmente, informar-nos de tudo. Compete ao observador
formar o conjunto, por meio dos documentos colhidos de diferentes lados, colecionados,
coordenados e comparados uns com outros. Conduzi-me, pois, com os Espíritos,
como houvera feito com homens. Para mim, eles foram, do menor ao maior, meios
de me informar e não reveladores predestinados .
Notícias e desempenho da missão Em 12 de junho
de 1856, pela mediunidade da senhorita Aline , o professor Rivail dirige-se ao
Espírito Verdade com a intenção de obter mais informações acerca da missão que
alguns Espíritos já lhe haviam apontado: missionário- chefe da nova doutrina.
Estabeleceu-se, então, o diálogo que segue: Pergunta (à Verdade) – Bom
Espírito, eu desejara saber o que pensas da missão que alguns Espíritos me
assinalam. Dize-me, peço-te, se é uma prova para o meu amor-próprio. Tenho,
como sabes, o maior desejo de contribuir para a propagação da verdade, mas, do
papel de simples trabalhador ao de missionário-chefe, a distância é grande e
não percebo o que possa justificar em mim graça tal, de preferência a tantos
outros que possuem talento e qualidades de que não disponho. Resposta –
Confirmo o que te foi dito, mas recomendo-te muita discrição, se quiseres
sair-te bem. Tomarás mais tarde conhecimento de coisas que te explicarão o que
ora te surpreende. Não esqueças que podes triunfar, como podes falir. Neste último
caso, outro te substituiria, porquanto os desígnios de Deus não assentam na cabeça
de um homem. Nunca, pois, fales da tua missão; seria a maneira de a fazeres malograr-se.
Ela somente pode justificar-se pela obra realizada e tu ainda nada fizeste. Se
a cumprires, os homens saberão reconhecê-lo, cedo ou tarde, visto que pelos
frutos é que se verifica a qualidade da árvore.
P. — Nenhum desejo tenho certamente de me
vangloriar de uma missão na qual dificilmente creio. Se estou destinado a
servir de instrumento aos desígnios da Providência, que ela disponha de mim.
Nesse caso, reclamo a tua assistência e a dos bons Espíritos, no sentido de me
ajudarem e ampararem na minha tarefa.
R. — A nossa assistência não te
faltará, mas será inútil se, de teu lado, não fizeres o que for necessário.
Tens o teu livre-arbítrio, do qual podes usar como o entenderes. Nenhum homem é
constrangido a fazer coisa alguma.
P. — Que causas poderiam determinar o
meu malogro? Seria a insuficiência das minhas capacidades?
R. — Não; mas, a missão dos reformadores
é prenhe de escolhos e perigos. Previno-te de que é rude a tua, porquanto se
trata de abalar e transformar o mundo inteiro. Não suponhas que te baste
publicar um livro, dois livros, dez livros, para em seguida ficares tranquilamente
em casa. Tens que expor a tua pessoa. Suscitarás contra ti ódios terríveis;
inimigos encarniçados se conjurarão para tua perda; ver-te-ás a braços com a
malevolência, com a calúnia, com a traição mesma dos que te parecerão os mais
dedicados; as tuas melhores instruções serão desprezadas e falseadas; por mais
de uma vez sucumbirás sob o peso da fadiga; numa palavra: terás de sustentar uma
luta quase contínua, com sacrifício de teu repouso, da tua tranquilidade, da
tua saúde e até da tua vida, pois, sem isso, viverias muito mais tempo. Ora bem!
não poucos recuam quando, em vez de uma estrada florida, só veem sob os passos
urzes, pedras agudas e serpentes. Para tais missões, não basta a inteligência. Faz-se
mister, primeiramente, para agradar a Deus, humildade, modéstia e desinteresse,
visto que Ele abate os orgulhosos, os presunçosos e os ambiciosos. Para lutar contra
os homens, são indispensáveis coragem, perseverança e inabalável firmeza.
Também são de necessidade prudência e
tato, a fim de conduzir as coisas de modo conveniente e não lhes comprometer o
êxito com palavras ou medidas intempestivas.
Exigem-se, por fim, devotamento,
abnegação e disposição a todos os sacrifícios. Vês, assim, que a tua missão
está subordinada a condições que dependem de ti 9. Após o diálogo com o
Espírito Verdade, estando mais lúcido sobre o que lhe competiria fazer daí para
diante, Rivail elevou a Deus uma prece, revelando humildade e total submissão
aos desígnios superiores. Senhor! Pois que te dignaste lançar os olhos sobre
mim para cumprimento dos teus desígnios, faça-se a tua vontade! Está nas tuas
mãos a minha vida; dispõe do teu servo. Reconheço a minha fraqueza diante de
tão grande tarefa; a minha boa-vontade não desfalecerá, as forças, porém,
talvez me traiam. Supre a minha deficiência; dá-me as forças físicas e morais
que me forem necessárias. Ampara-me nos momentos difíceis e, com o teu auxílio
e dos teus celestes mensageiros, tudo envidarei para corresponder aos teus desígnios
10.
No que diz respeito ao teor do diálogo
travado com o Espírito Verdade, Kardec registra, dez anos depois, as seguintes
observações: Escrevo esta nota a 1º de janeiro de 1867, dez anos e meio depois
que me foi dada a comunicação acima e atesto que ela se realizou em todos os
pontos, pois experimentei todas as vicissitudes que me foram preditas. Andei em
luta com o ódio de inimigos encarniçados, com a injúria, a calúnia, a inveja e
o ciúme; libelos infames se publicaram contra mim; as minhas melhores instruções
foram falseadas; traíram-me aqueles em quem eu mais confiança depositava,
pagaram-me com a ingratidão aqueles a quem prestei serviços. A Sociedade de
Paris se constituiu foco de contínuas intrigas urdidas contra mim por aqueles
mesmos que se declaravam a meu favor e que, de boa fisionomia na minha
presença, pelas costas me golpeavam. Disseram que os que se me conservavam
fiéis estavam à minha soldada e que eu lhes pagava com o dinheiro que ganhava
do Espiritismo. Nunca mais me foi dado saber o que é o repouso; mais de uma vez
sucumbi ao excesso de trabalho, tive abalada a saúde e comprometida a
existência.
Graças, porém, à proteção e
assistência dos bons Espíritos que incessantemente me deram manifestas provas
de solicitude, tenho a ventura de reconhecer que nunca senti o menor
desfalecimento ou desânimo e que prossegui, sempre com o mesmo ardor, no
desempenho da minha tarefa, sem me preocupar com a maldade de que era objeto.
Segundo a comunicação do Espírito de Verdade, eu tinha de contar com tudo isso
e tudo se verificou.
Mas, também, a par dessas vicissitudes,
que de satisfações experimentei, vendo a obra crescer de maneira tão
prodigiosa! Com que compensações deliciosas foram pagas as minhas atribulações!
Que de bênçãos e de provas de real simpatia recebi da parte de muitos aflitos a
quem a Doutrina consolou! Este resultado não mociou o Espírito de Verdade que,
sem dúvida intencionalmente, apenas me mostrara as dificuldades do caminho.
Qual não seria, pois, a minha ingratidão, se me queixasse! Se dissesse que há
uma compensação entre o bem e o mal, não estaria com a verdade, porquanto o
bem, refiro-me às satisfações morais, sobrelevaram de muito o mal.
Quando me sobrevinha uma decepção, uma
contrariedade qualquer, eu me elevava pelo pensamento acima da Humanidade e me
colocava antecipadamente na região dos Espíritos e desse ponto culminante,
donde divisava o da minha chegada, as misérias da vida deslizavam por sobre mim
sem me atingirem. Tão habitual se me tornara esse modo de proceder, que os
gritos dos maus jamais me perturbaram.
3.4 O nome Allan Kardec
Quando da publicação de O Livro dos
Espíritos, o autor se viu diante de um sério problema: como assinar o trabalho?
E mais uma vez prevaleceu o bom senso do professor Rivail, segundo se depreende
das palavras do biógrafo:
No momento de publicá-lo – diz H.
Sausse [na obra Biographie d´Allan Kardec 4ª edição, p. 32], o Autor ficou
muito embaraçado em resolver como o assinaria, se com seu nome – Hippolyte Léon
Denizard Rivail, ou com um pseudônimo.
Sendo o seu nome muito conhecido do
mundo científico, em virtude dos seus trabalhos anteriores, e podendo originar
confusão, talvez mesmo prejudicar o êxito do empreendimento, ele adotou o
alvitre de o assinar com o nome Allan Kardec, nome que, segundo lhe revelara o
guia, [Zéfiro], ele tivera ao tempo dos druidas* [nas Gálias, hoje França] 24.
3.5 As obras espíritas
Além de O Livro dos Espíritos, saído a
lume em 18 de abril de 1857, Kardec escreveu muitas outras obras espíritas, das
quais se destacam: A Revista Espírita (1º de janeiro de 1858); O que é o
Espiritismo (julho de 1859); O Livro dos Médiuns (15 de janeiro de 1861); O
Evangelho segundo o Espiritismo (abril de 1864); O Céu e o Inferno (agosto de
1865); A Gênese (16 de janeiro de 1868). Após a sua desencarnação, foi
publicado em 1890, em Paris, por P. G. Leymarie, o livro Obras Póstumas –
coletânea de escritos do Codificador do Espiritismo.
* Druidas: Sacerdotes dos gauleses e
dos celtas. Não tinham templos, reuniam-se nos bosques e veneravam certas
plantas, tais como o visco e o carvalho. Acreditavam na imortalidade da alma e na
metempsicose (transmigração da alma em corpos de animais). Sua filosofia é
quase desconhecida, porque não a escreveram, confiando-a à memória de seus
discípulos.
Não menos importante é a
correspondência, mediante a qual Kardec estabeleceu contato com escritores,
políticos, eclesiásticos, sábios, pessoas de todas as condições e de todos os
lugares, esforçando-se [...] por consolar, satisfazer e instruir, abrindo às
almas aflitas e torturadas as ridentes e doces perspectivas da vida
supraterrestre.