Boa tarde amigos! No dia 22 de Novembro de 2014 foi abordado o texto do prefâcio do livro Libertação de André Luiz psicografado por nosso querido Chico Xavier.
Ante as portas livres de acesso
ao trabalho cristão e ao conhecimento salutar que André Luiz vai desvelando,
recordamos prazerosamente a antiga lenda egípcia do peixinho vermelho.
No centro de formoso jardim,
havia grande lago, adornado de ladrilhos azul-turquesa.
Alimentado por diminuto canal de
pedra, escoava suas águas, do outro lado, através de grade muito estreita.
Nesse reduto acolhedor, vivia
toda uma comunidade de peixes, a se refestelarem, nédios e satisfeitos, em
complicadas locas, frescas e sombrias.
Elegeram um dos concidadãos de
barbatanas para os encargos de rei, e ali
viviam, plenamente
despreocupados, entre a gula e a preguiça.
Junto deles, porém, havia um
peixinho vermelho, menosprezado de todos.
Não conseguia pescar a mais leve
larva, nem refugiar-se nos nichos barrentos.
Os outros, vorazes e
gordalhudos, arrebatavam para si todas as formas larvárias e ocupavam,
displicentes, todos os lugares consagrados ao descanso.
O peixinho vermelho que nadasse
e sofresse. Por isso mesmo era visto,
em correria constante,
perseguido pela canícula ou atormentado de fome.
Não encontrando pouso no
vastíssimo domicilio, o pobrezinho não dispunha de tempo para muito lazer e
começou a estudar com bastante interesse.
Fêz o inventário de todos os
ladrilhos que enfeitavam as bordas do poço, arrolou todos os buracos nele
existentes e sabia, com precisão, onde se
reuniria maior massa de lama por
ocasião de aguaceiros.
Depois de muito tempo, à custa
de longas perquirições, encontrou a grade do escoadouro.
A frente da imprevista
oportunidade de aventura benéfica, refletiu consigo:
— “Não será melhor pesquisar a
vida e conhecer outros rumos?”
Optou pela mudança.
Apesar de macérrimo pela
abstenção completa de qualquer conforto,
perdeu várias escamas, com
grande sofrimento, a fim de atravessar a passagem estreitíssima.
Pronunciando votos renovadores,
avançou, otimista, pelo rego d’água, encantado com as novas paisagens, ricas de
flores e sol que o defrontavam, e
seguiu, embriagado de esperança
...
Em breve, alcançou grande rio e
fêz inúmeros conhecimentos.
Encontrou peixes de muitas
famílias diferentes, que com ele simpatizaram,
Instruindo-o quanto aos
percalços da marcha e descortinando-lhe mais fácil
roteiro.
Embevecido, contemplou nas
margens homens e animais, embarcações e pontes, palácios e veículos, cabanas e
arvoredo.
Habituado com o pouco, vivia com
extrema simplicidade, jamais perdendo a
leveza e a agilidade naturais.
Conseguiu, desse modo, atingir o
oceano, ébrio de novidade e sedento de
estudo.
De Inicio, porém, fascinado pela
paixão de observar, aproximou-se de uma
baleia para quem toda a água do
lago em que vivera não seria mais que
diminuta ração; impressionado
com o espetáculo, abeirou-se dela mais que
devia e foi tragado com os elementos
que lhe constituíam a primeira refeição
diária.
Em apuros, o peixinho aflito
orou ao Deus dos Peixes, rogando proteção no
bojo do monstro e, não obstante
as trevas em que pedia salvamento, sua prece
foi ouvida, porque o valente
cetáceo começou a soluçar e vomitou, restituindo-o
às correntes marinhas.
O pequeno viajante, agradecido e
feliz, procurou companhias sim páticas e aprendeu a evitar os perigos e
tentações.
Plenamente transformado em suas
concepções do mundo, passou a reparar as infinitas riquezas da vida. Encontrou
plantas luminosas, animais estranhos,
estrelas móveis e flores
diferentes no seio das águas. Sobretudo, descobriu a existência de muitos
peixinhos, estudiosos e delgados tanto quanto ele, junto dos quais se sentia
maravilhosamente feliz.
Vivia, agora, sorridente e
calmo, no Palácio de Coral que elegera, com centenas de amigos, para residência
ditosa, quando, ao se referir ao seu começo laborioso, veio a saber que sômente
no mar as criaturas aquáticas
dispunham de mais sólida
garantia, de vez que, quando o estio se fizesse mais
arrasador, as águas de outra
altitude continuariam a correr para o oceano.
O peixinho pensou, pensou... e
sentindo imensa compaixão daqueles com quem convivera na infância, deliberou
consagrar-se à obra do progresso e
salvação deles.
Não seria justo regressar e
anunciar-lhes a verdade? não seria nobre ampará-los, prestando-lhes a tempo
valiosas informações? Não hesitou.
Fortalecido pela generosidade de
irmãos benfeitores que com ele viviam no
Palácio de Coral, empreendeu
comprida viagem de volta.
Tornou ao rio, do rio dirigiu-se
aos regatos e dos regatos se encaminhou
para os canaizinhos que o
conduziram ao primitivo lar.
Esbelto e satisfeito como
sempre, pela vida de estudo e serviço a que se devotava, varou a grade e
procurou, ansiosamente, os velhos companheiros.
Estimulado pela proeza de amor
que efetuava, supôs que o seu regresso
causasse surpresa e entusiasmo
gerais. Certo, a coletividade inteira lhe celebraria o feito, mas depressa
verificou que ninguém se mexia.
Todos os peixes continuavam
pesados e ociosos, repimpados nos mesmos
ninhos lodacentos, protegidos
por flores de lótus, de onde saiam apenas para
disputar larvas, moscas ou
minhocas desprezíveis.
Gritou que voltara a casa, mas
não houve quem lhe prestasse atenção,
porqüanto ninguém, ali, havia
dado pela ausência dele.
Ridicullzado, procurou, então, o
rei de guelras enormes e comunicou-lhe a
reveladora aventura.
O soberano, algo entorpecido
pela mania de grandeza, reuniu o povo e
permitiu que o mensageiro se
explicasse.
O benfeitor desprezado,
valendo-se do ensejo, esclareceu, com ênfase, que
havia outro mundo liquido,
glorioso e sem fim. Aquele poço era uma
Insignificância que podia
desaparecer, de momento para outro. Além do
escoadouro próximo desdobravam-se
outra vida e outra experiência. Lá fora,
corriam regatos ornados de
flores, rios caudalosos repletos de seres diferentes
e, por fim, o mar, onde a vida
aparece cada vez mais rica e mais surpreendente.
Descreveu o serviço de tainhas e
salmões, de trutas e esqüalos. Deu
notícias do peixe-lua, do
peixe-coelho e do galo-do-mar. Contou que vira o céu
repleto de astros sublimes e que
descobrira árvores gigantescas, barcos
imensos, cidades praieiras,
monstros temíveis, jardins submersos, estrelas do
oceano e ofereceu-se para
conduzi-los ao Palácio de Coral, onde viveriam
todos, prósperos e tranquilos.
Finalmente os informou de que semelhante
felicidade, porém, tinha
igualmente seu preço. Deveriam todos emagrecer,
convenientemente, abstendo-se de
devorar tanta larva e tanto verme nas locas
escuras e aprendendo a trabalhar
e estudar tanto quanto era necessário à
venturosa jornada.
Assim que terminou, gargalhadas
estridentes coroaram-lhe a preleção.
Ninguém acreditou nele.
Alguns oradores tomaram a
palavra e afirmaram, solenes, que o peixinho
vermelho delirava, que outra
vida além do poço era francamente impossível,
que aquela história de riachos,
rios e oceanos era mera fantasia de cérebro
demente e alguns chegaram a
declarar que falavam em nome do Deus dos
Peixes, que trazia os olhos
voltados para eles ünicamente.
O soberano da comunidade, para
melhor ironizar o peixinho, dirigiu-se em
companhia dele até à grade de
escoamento e, tentando, de longe, a travessia,
exclamou, borbulhante:
— “Não vês que não cabe aqui nem
uma só de minhas barbatanas?
Grande tolo! vai-te daqui! não
nos perturbes o bem-estar... Nosso lago é o
centro do Universo... Ninguém
possui vida igual à nossa! ..
Expulso a golpes de sarcasmo, o
peixinho realizou a viagem de retorno e
instalou-se, em definitivo, no
Palácio de Coral, aguardando o tempo.
Depois de alguns anos, apareceu
pavorosa e devas tadora seca.
As águas desceram de nivel. E o
poço onde viviam os peixes pachorrentos
e vaidosos esvaziou-se,
compelindo a comunidade inteira a perecer, atolada na
lama...
O esforço de André Luis,
buscando acender luz nas trevas, é semelhante à
missão do peixinho vermelho.
Encantado com as descobertas do
caminho infinito, realizadas depois de
muitos conflitos no sofrimento,
volve aos recôncavos da Crosta Terrestre,
anunciando aos antigos
companheiros que, além dos cubículos em que se
movimentam, resplandece outra
vida, mais intensa e mais bela, exigindo,
porém, acurado aprimoramento
individual para a travessia da estreita
passagem de acesso às claridades
da sublimação.
Fala, informa, prepara,
esclarece ...
Há, contudo, muitos peixes
humanos que sorriem e passam, entre a
mordacidade e a Indiferença,
procurando locas passageiras ou pleiteando
larvas temporárias.
Esperam um paraíso gratuito com
milagrosos deslumbramentos depois da
morte do corpo.
Mas, sem André Luiz e sem nós,
humildes servidores de boa vontade, para
todos os caminheiros da vida
humana pronunciou o Pastor Divino as indeléveis
palavras: — “A cada um será dado
de acordo com as suas obras.”
EMMANUEL
Pedro Leopoldo, 22 de fevereiro de 1949.