Qual o
tipo mais perfeito que Deus tem oferecido ao homem, para
servir de
guia e modelo?
“Jesus”.
Para
o homem, Jesus constitui o tipo da perfeição moral a que a Humanidade
pode
aspirar na Terra. [...] Allan Kardec: O livro dos
espíritos,
questão 625.
Jesus,
guia e modelo da Humanidade
Rezam
as tradições do mundo espiritual que na direção de todos os fenômenos, do nosso
sistema, existe uma Comunidade de Espíritos puros e eleitos pelo Senhor supremo
do Universo, em cujas mãos se conservam as rédeas diretoras da vida de todas as
coletividades planetárias.
Essa
Comunidade de seres angélicos e perfeitos, da qual é Jesus um dos membros
divinos, ao que nos foi dado saber, apenas já se reuniu, nas proximidades da
Terra, para a solução de problemas decisivos da organização e da direção do
nosso planeta, por duas vezes no curso
dos
milênios conhecidos.
A
primeira, verificou-se quando o orbe terrestre se desprendia da nebulosa solar,
a fim de que se lançassem, no Tempo e no Espaço, as balizas do nosso sistema
cosmogônico e os pródromos da vida na matéria em ignição, do planeta, e a
segunda, quando se decidia a vinda do Senhor à face da Terra, trazendo à
família humana a lição imortal do seu Evangelho de amor e redenção.
Vemos,
dessa forma, a excelsitude de Jesus, o construtor da nossa moradia, planeta
destinado à nossa melhoria espiritual.
Jesus
[...], com as suas legiões de trabalhadores divinos, lançou o escopo da sua
misericórdia sobre o bloco de matéria informe, que a sabedoria do Pai deslocara
do Sol para as suas mãos augustas e compassivas. Operou a escultura geológica
do orbe terreno, talhando a escola abençoada e grandiosa, na qual o seu coração
haveria de expandir-se em amor, claridade e justiça. Com os seus exércitos de
trabalhadores devotados, estatuiu os regulamentos dos fenômenos físicos da
Terra,
organizando-lhes
o equilíbrio futuro na base dos corpos simples de matéria, cuja unidade
substancial os espectroscópios terrenos puderam identificar por toda a parte no
universo galáxico. Organizou o cenário da vida, criando, sob as vistas de Deus,
o indispensável à existência dos seres do porvir. Fez a pressão atmosférica
adequada ao homem, antecipando-se ao seu nascimento no mundo [...]. Definiu
todas as linhas de progresso da humanidade futura, engendrando a harmonia de
todas as forças físicas que presidem ao ciclo das atividades planetárias.
Por
ignorar o amor de Jesus e o trabalho que vem realizando ao longo dos milênios,
em nosso benefício, permanecemos imersos em sofrimentos atrozes.
A
ciência do mundo não lhe viu as mãos augustas e sábias na intimidade das
energias que vitalizam o organismo do Globo. Substituíram-lhe a providência com
a palavra “natureza”, em todos os seus estudos e análises da existência, mas o
seu amor foi o Verbo da criação do princípio, como é e será a coroa gloriosa
dos seres terrestres na imortalidade sem-fim. [...] Daí a algum tempo, na
crosta solidificada do planeta, como no fundo dos oceanos, podia-se observar a
existência de um elemento viscoso que cobria toda a Terra. Estavam dados os
primeiros passos no caminho da vida organizada. Com essa massa gelatinosa,
nascia no orbe o protoplasma e, com ele, lançara Jesus à superfície do mundo o
germe sagrado dos primeiros homens.
Precisamos
conhecer e sentir mais Jesus, estudar com dedicação os seus ensinos, aceitar o
seu jugo, divulgando a sua mensagem de amor.
Jesus,
cuja perfeição se perde na noite imperscrutável das eras, personificando a
sabedoria e o amor, tem orientado todo o desenvolvimento da humanidade terrena,
enviando os seus iluminados mensageiros, em todos os tempos, aos agrupamentos
humanos e [...] desde que o homem conquistou a racionalidade, vem-lhe
fornecendo a ideia da sua divina origem, o tesouro das concepções de Deus e da
imortalidade do Espírito, revelando-lhe, em cada época, aquilo que a sua
compreensão pode abranger.
Entendemos,
dessa forma, por que os Espíritos superiores afirmam ser Jesus guia e modelo da
Humanidade.
Para
o homem, Jesus constitui o tipo da perfeição moral a que a Humanidade pode
aspirar na Terra. Deus no-lo oferece como o mais perfeito modelo e a doutrina
que ensinou é a expressão mais pura da lei do Senhor, porque, sendo Ele o mais
puro de quantos têm aparecido na Terra, o Espírito divino o animava.
2.
A mensagem cristã
Jesus
tem por missão encaminhar a humanidade terrestre ao bem, disponibilizando
condições para que o ser humano evolua em conhecimento e em moralidade. “Tendo
por missão transmitir aos homens o pensamento de Deus, somente a sua doutrina,
em toda a
pureza,
pode exprimir esse pensamento. Por isso foi que Ele disse: Toda planta que
meu Pai celestial não plantou será arrancada.”
A
vinda de Jesus foi assinalada por uma época especial. Os historiadores do
Império Romano sempre observaram com espanto os profundos contrastes da
gloriosa época de Augusto (Caio Júlio César Otávio), o primeiro imperador
romano, com os períodos anteriores e posteriores.
É
que os historiadores ainda não perceberam, na chamada época de Augusto, o
século do Evangelho ou da Boa Nova. Esqueceram-se de que o nobre Otávio era
também homem e não conseguiram saber que, no seu reinado, a esfera do Cristo se
aproximava da Terra, numa vibração profunda de amor e de beleza.
Jesus
chegou ao Planeta no reinado do sobrinho de Júlio César, Otávio, também
conhecido como Augusto César.
Acercavam-se
de Roma e do mundo não mais Espíritos belicosos [...], porém outros que se
vestiriam dos andrajos dos pescadores, para servirem de base indestrutível aos
eternos ensinos do Cordeiro. Imergiam nos fluidos do planeta os que preparariam
a vinda do Senhor e os que se transformariam em seguidores humildes e imortais
dos seus passos divinos. É por essa razão que o ascendente místico da era de
Augusto se traduzia na paz e no júbilo do povo que, instintivamente, se sentia
no limiar de uma transformação celestial. Ia chegar à Terra o sublime
Emissário. Sua lição de verdade e de luz ia espalhar-se pelo mundo inteiro,
como chuva de bênçãos magníficas e confortadoras.
A
Humanidade vivia, então, o século da Boa Nova.
A
vinda do Cristo mostra que a Humanidade estava em condições de receber
ensinamentos superiores. “Começava a era definitiva da maioridade espiritual da
humanidade terrestre, uma vez que Jesus, com a sua exemplificação divina,
entregaria o código da fraternidade e do amor a todos os corações.”
Jesus
nasceu num momento em que o mundo estava mergulhado numa miscelânea de ideias
religiosas, predominantemente politeístas.
O
“[...] mundo era um imenso rebanho desgarrado. Cada povo fazia da religião uma
nova fonte de vaidades, salientando-se que muitos cultos religiosos do Oriente
caminhavam para o terreno franco da dissolução e da imoralidade [...].”
O
[...] Cristo vinha trazer ao mundo os fundamentos eternos da verdade e do amor.
Sua palavra, mansa e generosa, reunia todos os infortunados e todos os pecadores.
Escolheu os ambientes mais pobres e mais desataviados para viver a intensidade
de suas lições sublimes, mostrando
aos
homens que a verdade dispensava o cenário suntuoso dos areópagos, dos fóruns e
dos templos, para fazer-se ouvir na sua misteriosa beleza. Suas pregações, na
praça pública, verificam-se a propósito dos seres mais desprotegidos e
desclassificados, como a demonstrar
que
a sua palavra vinha reunir todas as criaturas na mesma vibração de fraternidade
e na mesma estrada luminosa do amor. Combateu pacificamente todas as violências
oficiais do Judaísmo,
renovando
a Lei Antiga com a doutrina do esclarecimento, da tolerância e do perdão.
Espalhou
as mais claras visões da vida imortal, ensinando às criaturas terrestres que
existe algo superior às pátrias, às bandeiras, ao sangue e às leis humanas. Sua
palavra profunda, enérgica e misericordiosa, refundiu todas as filosofias,
aclarou o caminho das ciências e já teria
irmanado
todas as religiões da Terra, se a impiedade dos homens não fizesse valer o peso
da iniquidade na balança da redenção.21
SIMEÃO E O MENINO (Pontos e Contos)
Dizem que
Simeão, o velho Simeão, homem justo e temente a Deus, mencionado no Evangelho
de Lucas, após saudar Jesus criança, no templo de Jerusalém, conservou-o nos
braços acolhedores de velho, a distância de José e Maria, e dirigiu-lhe a
palavra, com discreta emoção:
-Celeste
Menino – perguntou o patriarca -, porque preferiste a palha humilde da
Manjedoura? Já que vens representar os interesses do Eterno Senhor na Terra,
como não vestiste a púrpura imperial? Como não nasceste ao lado de Augusto, o
divino, para defender o flagelado povo de Israel? Longe dos senhores romanos,
como advogarás a causa dos humildes e dos justos?
Porque não
vieste ao pé daqueles que vestem a toga dos magistrados? Então, podereis
ombrear com os patrícios ilustres, movimentar-te-ias entre legionários e
tribunos, gladiadores e pretorianos, atendendo-nos à libertação... Porque não
chegaste, como Moisés, valendo-se do prestígio da casa do faraó? Quem te
preparará, Embaixador Eterno, para o ministério santo?
Que será
de ti, sem lugar no Sinédrio? Samuel mobilizou a força contra os filisteus,
preservando-nos a superioridade: Saul guerreou até a morte, por manter-nos a
dominação; David estimava o fausto do poder: Salomão, prestigiado por casamento
de significação política, viveu para administrar os bens enormes que lhe cabiam
no mundo... Mas... tu? Não te ligaste aos príncipes, nem aos juízes, nem aos
sacerdotes... Não encontrarias outro lugar, além do estábulo singelo?...
Jesus
menino escutou-o, mostrou-lhe sublime sorriso, mas o ancião, tomado de
angústia, contemplou-o, mais detidamente, e continuou:
- Onde
representarás os interesses do Supremo Senhor? Sentar-te-ás entre os poderosos?
Escreverás
novos livros da sabedoria? Improvisará discursos que obscureçam os grandes
oradores de Atenas e Roma? Amontoarás dinheiro suficiente para redimir os que
sofrem?
Erguerás
novo templo de pedra, onde o rico e o pobre aprendam a ser filhos de Deus?
Ordenará a execução da lei, decretando medidas que obrigam a transformação
imediata de Israel? Depois de longo intervalo, indagou em lágrimas:
- Dize-me,
ó Divina Criança, onde representarás os interesses de nosso Supremo Pai?
O menino
tenro ergueu, então, a pequenina destra e bateu, muitas vezes, naquele peito
envelhecido que se inclinava já para o sepulcro...
Nesse
instante, aproximou-se Maria e o recolheu nos braços maternos. Somente após a
morte do corpo. Simeão veio, a saber, que o Menino Celeste não o deixara sem
resposta.
O infante
Sublime, no gesto silencioso, quisera dizer que não vinha representar os
interesses do Céu nas organizações respeitáveis, mas efêmeras da Terra. Vinha
da Casa do Pai justamente para representá-Lo no coração dos homens.
Como se se
deixasse empolgar por amorosos temores, Maria continuou:
Ainda há
alguns dias, estivemos em Jerusalém, nas comemorações costumeiras,
e a
facilidade de argumentação com que Jesus elucidava os problemas, que lhe
eram
apresentados pelos orientadores do templo, nos deixou a todos receosos e
perplexos.
Sua ciência não pode ser deste mundo: vem de Deus, que certamente
se
manifesta por seus lábios amigos da pureza. Notando-lhe as respostas, Eleazar
chamou a
José, em particular, e o advertiu de que o menino parece haver nascido
para a
perdição de muitos poderosos em Israel.
Com a
prima a lhe escutar atentamente a palavra, Maria prosseguiu, de olhos
úmidos,
após ligeira pausa:
Ciente
desse aviso, procurei Eleazar, a fim de interceder por Jesus, junto de suas
valiosas
relações com as autoridades do templo. Pensei na sua infância desprotegida e
receio pelo seu futuro. Eleazar prometeu interessar-se pela sua sorte; todavia,
de regresso a Nazaré, experimentei singular multiplicação dos meus temores.
Conversei
com José, mais detidamente, acerca do pequeno, preocupada com o
seu
preparo conveniente para a vida!... Entretanto, no dia que se seguiu às nossas
íntimas
confabulações, Jesus se aproximou de mim, pela manhã, e me interpelou:
“Mãe, que queres tu de mim? Acaso não tenho testemunhado a minha
comunhão
com o Pai que está no Céu!
Altamente
surpreendida com a sua pergunta, respondi-lhe, hesitante: Tenho
cuidado
por ti, meu filho! Reconheço que necessitas de um preparo melhor para a
vida...
Mas, como se estivesse em pleno conhecimento do que se passava em
meu
íntimo, ponderou ele: “Mãe, toda
preparação útil e generosa no mundo é
preciosa; entretanto, eu já estou com Deus. Meu Pai, porém, deseja
de nós toda a
exemplificação que seja boa e eu escolherei, desse modo, a escola
melhor”.
No mesmo
dia, embora soubesse das belas promessas que os doutores do templo
fizeram na
sua presença a seu respeito, Jesus aproximou-se de José e lhe pediu,
com
humildade, o admitisse em seus trabalhos. Desde então, como se nos
quisesse
ensinar que a melhor escola para Deus é a do lar e a do esforço próprio
concluiu a
palavra materna com singeleza —, ele aperfeiçoa as madeiras da
oficina,
empunha o martelo e a enxó, enchendo a casa de ânimo, com a sua doce
alegria!
A
mensagem cristã causa impacto por ser límpida e cristalina, livre de fórmulas
iniciáticas ou de manifestações de culto externo.
Não
se reveste o ensinamento de Jesus de quaisquer fórmulas complicadas.
Guardando
embora o devido respeito a todas as escolas de revelação da fé com os seus
colégios iniciáticos, notamos que o Senhor desce da Altura, a fim de libertar o
templo do coração humano para a amor e do conhecimento. Para isso, o Mestre não
exige que os homens se façam
heróis
ou santos de um dia para outro. Não pede que os seguidores pratiquem milagres,
nem lhes reclama o impossível. Dirige-se a palavra dele à vida comum, aos
campos mais simples do sentimento, à luta vulgar e às experiências de cada
dia.32
Aqui
compartilhamos um diálogo de Jesus com um sacerdote chamado Hanã, que seria
mais tarde o juiz que condena Jesus
Galileu,
que fazes na cidade?
Passo por
Jerusalém, buscando a fundação do Reino de Deus! exclamou o
Cristo,
com modesta nobreza.
Reino de
Deus? tornou o sacerdote com acentuada ironia. E que pensas tu
venha a
ser isso?
Esse Reino
é a obra divina no coração dos homens! esclareceu Jesus, com
grande
serenidade.
Obra
divina em tuas mãos? revidou Hanã, com uma gargalhada de desprezo.
E,
continuando as suas observações irônicas, per guntou:
Com que
contas para levar avante essa difícil empresa? Quais são os teus
seguidores
e companheiros?... Acaso terás Conquistado o apoio de algum
príncipe
desconhecido e ilustre, para auxiliar-te na execução de teus planos?
Meus
companheiros hão de chegar de todos os lugares respondeu o Mestre com
humildade.
Sim
observou Hanã —, os ignorantes e os tolos estão em toda parte na Terra.
Certamente
que esse representará o material de tua edificação. Entretanto,
propões-te
realizar uma obra divina e já viste alguma estátua perfeita modelada
em
fragmentos de lama?
•
Sacerdote replicou-lhe Jesus, com energia se ren —, nenhum mármore existe
mais puro
e mais formoso do que o do sentimento, e nenhum cinzel é superior ao
da
boa-vontade.
Impressionado
com a resposta firme e inteligente, o famoso juiz ainda interrogou:
Conheces
Roma ou Atenas?
Conheço o
amor e a verdade disse Jesus convictamente.
Tens
ciência dos códigos da Corte Provincial e das leis do Templo? inquiriu Hanã,
inquieto.
Sei qual é
a vontade de meu Pai que está nos céus respondeu o Mestre,
brandamente.
O
sacerdote o contemplou irritado e, dirigindo-lhe um sorriso de profundo
desprezo,
demandou a Torre Antônia, em atitude de orgulhosa superioridade.
A
despeito do caráter reformador que Jesus imprimiu à Lei de Deus, recebida
mediunicamente por Moisés e conhecida como os Dez Mandamentos, na verdade o
Cristo ensinou como compreendê-la e demonstrou como praticá-la.
Jesus
não veio destruir a lei, isto é, a lei de Deus; veio cumpri-la, isto é,
desenvolvê-la, dar-lhe o verdadeiro sentido e adaptá-la ao grau de adiantamento
dos homens. Por isso é que se nos depara, nessa lei, os princípios dos deveres
para com Deus e para com o próximo, base da sua doutrina. [...] combatendo
constantemente o abuso das práticas exteriores e as falsas interpretações, por
mais radical reforma não podia fazê-las passar, do que as reduzindo a esta
única prescrição:
“Amar
a Deus acima de todas as coisas e o próximo como a si mesmo”,
e acrescentando: aí estão
a lei toda e os profetas.1
A CONDUTA CRISTÃ (Contos e Apólogos)
Ibraim ben Azor, o cameleiro, entrou na
residência acanhada de Simão e, à frente do Cristo, que o fitava de olhos
translúcidos, pediu instruções da Boa-Nova, ao que Jesus respondeu com a doçura
habitual, tecendo considerações preciosas e simples, em torno do Reino de Deus
no coração dos homens.
– Mestre – perguntou Ibraim, desejando
conhecer as normas evangélicas –, na hipótese de aceitar a nova revelação, como
me comportarei. perante as criaturas de má-fé?
– Perdoarás e trabalharás sempre, fazendo
quanto possível para que se coloquem no nível
de tua compreensão, desculpando-as e
amparando-as, infinitamente.
– E se me cercarem todos os dias?
– Continuarás perdoando e trabalhando a
benefício delas.
– Mestre – invocou Ibraim, admirado –, a
calúnia é um braseiro a requeimar-nos o coração...
Admitamos que tais pessoas me vergastem com
frases cruéis e apontamentos injustos...
Como proceder quando me enlamearem o
caminho, atirando-me flechas incendiadas?
– Perdoarás e trabalharás sem descanso,
possibilitando a renovação do pensamento que a
teu respeito fazem.
– E se me ferirem? Se a violência
sujeitar-me à poeira e a traição golpear-me pelas costas?
Se meu sangue correr, em louvor da
perversidade?
– Perdoarás e trabalharás, curando as
próprias chagas, com a disposição de servir,
invariavelmente, na certeza de que as leis
do Justo Juiz se cumprirão sem prejuízo dum
ceitil.
– Senhor – clamou o consulente desapontado
–, e se a pesada mão dos ignorantes
ameaçar-me a casa? se a maldade perseguir-me
a família, dilacerando os meus nos
interesses mais caros?
– Perdoarás e trabalharás a fim de que a
normalidade se reajuste sem ódios,
compreendendo que há milhões de seres na
Terra fustigados por aflições maiores que a tua, cabendo-nos a obrigação de
auxiliar, não somente os que se fazem detentores do nosso bem-querer, mas
também a todos os irmãos em Humanidade que o Pai nos recomenda amar e ajudar,
incessantemente.
Ibraim, assombrado, indagou, de novo :
– Senhor, e se me prenderem por homicida e
ladrão, sem que eu tenha culpa?
– Perdoarás e trabalharás, agindo sempre
segundo as sugestões do bem, convencido de
que o homem pode encarcerar o corpo, mas
nunca algemará a idéia pura, nobre e livre.
– Mestre – prosseguiu o cameleiro, intrigado
–, e se me prostrarem no leito? Se me crivarem
de úlceras, impossibilitando-me qualquer
ação? Como trabalhar de braços imobilizados,
quando nos resta apenas o direito de chorar?
– Perdoarás e trabalharás com o sorriso da
paciência fiel, cultivando a oração e o
entendimento no espírito edificado,
confiando na Proteção do Pai Celestial que envia socorro e alimento aos
próprios vermes anônimos do mundo.
– Mestre, e se, por fim, me matarem? se
depois de todos os sacrifícios aparecer a morte por estrada inevitável?
– Demandarás o túmulo, perdoando e
trabalhando na ação gloriosa, em benefício de todos, conservando a paz sublime
da consciência.
Entre estupefato e aflito, Ibraim voltou a
indagar depois de alguns instantes:
– Senhor, e se eu conseguir tolerar os
ignorantes e os maus, ajudando-os e recebendo-lhes os insultos como benefícios,
oferecendo a luz pela sombra e o bem pelo mal, se encarar, com serenidade, os
golpes arremessados contra os meus, se receber feridas e sarcasmos sem
reclamação e se aceitar a própria morte, guardando sincera compaixão por meus
algozes? Que lugar destacado me caberá, diante da grandeza divina? que título
honroso exibirei?
Jesus, sem alterar-se, considerou :
– Depois de todos os nossos deveres
integralmente cumpridos, não passamos de meros
servidores, à face do Pai, a quem pertence o
Universo, desde o grão de areia às estrelas distantes.
Ibraim, conturbado, levantou-se, chamou o
dono da casa e perguntou a Pedro se aquele
homem era realmente o Messias. E quando o
pescador de Cafarnaum confirmou a identidade do Mestre, o cameleiro, carrancudo,
qual se houvesse recebido grave ofensa,
avançou para fora e seguiu para diante, sem dizer adeus
NO CAMINHO DO AMOR (Contos e Apólogos)
Em
Jerusalém, nos arredores do Templo, adornada mulher encontrou um nazareno, de
olhos fascinantes e lúcidos, de cabelos delicados e melancólicos sorriso, e
fixou-o estranhamente.
Arrebatada
na onda de simpatia a irradiar-se dele, corrigiu as dobras da túnica muito
alva;
colocou no
olhar indizível expressão de doçura e, deixando perceber, nos meneios do corpo
frágil, a visível paixão que a possuíra de súbito, abeirou-se do desconhecido e
falou, ciciante:
-Jovem, as
flores de Séforis encheram-me a ânfora do coração com deliciosos perfumes.
Tenho
felicidade ao teu dispor, em minha loja de essências finas...
Indicou
extensa vila, cercada de rosas, à sombra de arvoredo acolhedor, e ajuntou:
-Inúmeros
peregrinos cansados me buscam a procura do repouso que reconforta. Em minha
primavera juvenil, encontram o prazer que representa a coroa da vida. E' que o
lírio do vale não tem a carícia dos meus braços e a romã saborosa não possui o
mel de meus lábios.
Vem e vê!
Dar-te-ei leito macio, tapetes dourados e vinho capitoso ... Acariciar-te-ei a
fronte abatida e curar-te-ei o cansaço da viagem longa! Descansarás teus pés em
água de nardo e ouvirás, feliz, as harpas e os alaúdes de meu jardim. Tenho a
meu serviço músicos e dançarinas, exercitados em palácios ilustres!...
Ante a
incompreensível mudez do viajor, tornou, súplice, depois de leve pausa:
-Jovem,
porque não respondes? Descobri em teus olhos diferentes chama e assim procedo
por amar-te. Tenho sede de afeição que me complete a vida. Atende! Atende!...
Ele
parecia não perceber a vibração febril com que semelhantes palavras eram
pronunciadas e, notando-lhe a expressão fisionômica indefinível, a vendedora de
essências acrescentou uma tanto agastada:
-Não
virás?
Constrangido
por aquele olhar esfogueado, o forasteiro apenas murmurou:
-Agora,
não. Depois, no entanto, quem sabe?!...
A mulher,
ajaezada de enfeites, sentindo-se desprezada, prorrompeu em sarcasmos e partiu.
Transcorridos
dois anos, quando Jesus levantava paralítico, ao pé do Tanque de Betesda,
venerável
anciã pediu-lhe socorro para infeliz criatura, atenazada de sofrimento.
O Mestre
seguiu-a, sem hesitar.
Num pardieiro
denegrido, um corpo chagado exalava gemido angustioso.
A
disputada marcadora de aromas ali se encontrava carcomida de úlceras, de pele
enegrecida
e rosto disforme. Feridas sanguinolentas pontilhavam-lhe a carne, agora
semelhante
ao esterco da terra. Exceção dos olhos profundos e indagadores, nada mais lhe
restava da feminilidade antiga. Era uma sombra leprosa, de que ninguém ousava
aproximar.
Fitou o
Mestre e reconheceu-o.
Era o
mesmo mancebo nazareno, de porte sublime e atraente expressão.
O Cristo estendeu-lhe
os braços, tocados de intraduzível ternura e convidou:
-Vem a
mim, tu que sofres! Na Casa de Meu Pai, nunca se extingue a esperança.
A
interpelada quis recuar, conturbada de assombro, mas não conseguiu mover os
próprios
dedos,
vencida de dor.
O Mestre,
porém, transbordando compaixão, prosternou-se fraternal, e conchegou-a, de
manso...
A infeliz
reuniu todas as forças que lhe sobravam e perguntou, em voz reticenciosa e
dorida
-Tu?... O
Messias nazareno?... O Profeta que cura, reanima e alivia?!... Que viste fazer,
junto de mulher tão miserável quanto eu?
Ele,
contudo, sorriu benevolente, retrucando apenas:
-Agora,
venho satisfazer-te os apelos.
E,
recordando-lhe a palavra do primeiro encontro, acentuou, compassivo:
-Descubro em teus olhos diferentes chama e
assim procedo por amar-te.
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