Destruição necessária e destruição abusiva

A denominada
lei de destruição melhor se conceituaria, no dizer dos Instrutores Espirituais,
como lei de transformação. O que ocorre, na realidade, é a transformação e não
a destruição, tanto no que concerne à matéria, quanto no que se refere ao
Espírito. A célebre anunciação de Lavoisier * — na natureza nada se cria, nada
se perde, tudo se transforma — foi uma antevisão científica, no campo da
matéria, do que os Espíritos viriam confirmar mais tarde ao Codificador. Tomada
como transformação, a norma aplica-se também ao Espírito eterno, indestrutível,
mas em contínua mutação, obedecendo à evolução e ao progresso sob os processos
mais variados e complexos.
Nos seres
inferiores da criação, naqueles a quem ainda falta o senso moral, nos quais a
inteligência ainda não substituiu o instinto, a luta não pode ter por móvel
senão a satisfação de uma necessidade material. A destruição mútua existente
entre os animais, mantida às custas da cadeia alimentar, atende à lei natural
de preservação e diversidade biológica das espécies da Natureza. No homem, há
um período de transição em que ele mal se distingue do bruto. Nas primeiras
idades, domina o instinto animal e a luta ainda tem por móvel a satisfação das
necessidades materiais. Mais tarde, contrabalançam-se o instinto animal e o
sentimento moral; luta então o homem, não mais para se alimentar, porém, para
satisfazer à sua ambição, ao seu orgulho, à necessidade, que experimenta, de
dominar. Para isso, ainda lhe é preciso destruir. Todavia, à medida que o senso
moral prepondera, desenvolve-se a sensibilidade, diminui a necessidade de
destruir, acaba mesmo por desaparecer, por se tornar odiosa. O homem ganha
horror ao sangue. Contudo, a luta é sempre necessária ao desenvolvimento do
Espírito, pois, mesmo chegando a esse ponto, que parece culminante, ele ainda
está longe de ser perfeito. Só à custa de muita atividade adquire conhecimento,
experiência e se despoja dos últimos vestígios da animalidade. Mas, nessa
ocasião, a luta, de sangrenta e brutal que era, se torna puramente intelectual.
O homem luta contra as dificuldades, não mais contra os seus semelhantes. A
sabedoria divina dotou os seres vivos de dois instintos opostos: o de
destruição e o de conservação. Ambos funcionam como princípios da natureza.
Pelo primeiro, os seres se destroem reciprocamente, visando diferentes fins,
entre os quais a alimentação com os despojos materiais.12 Deus coloca [...] o
remédio ao lado do mal [...] para manter o equilíbrio e servir de contrapeso. É
por essa razão que as [...] criaturas são instrumentos de que Deus se serve
para chegar aos fins que objetiva. Para se alimentarem, os seres vivos
reciprocamente se destroem, destruição esta que obedece a um duplo fim:
manutenção do equilíbrio na reprodução, que poderia tornar-se excessiva, e
utilização dos despojos do invólucro exterior que sofre a destruição. Esse
invólucro é simples acessório e não a parte essencial do ser pensante. A parte
essencial é o princípio inteligente, que não se pode destruir e se elabora nas
metamorfoses diversas por que passa. A destruição abusiva é, sob qualquer pretexto,
um atentado à lei de Deus.
Nesse sentido,
o [...] homem tem papel preponderante diante dos demais seres vivos, * ao
dizimar, em larga escala, os demais seres da criação, seja buscando alimentar
acrescente população humana, seja aproveitando os despojos animais e vegetais
em inú meras indústrias de transformação, que lhe proporcionam múltiplas
utilidades.
*(LAVOISIER,
Antoine (1743-1794): químico francês, guilhotinado durante a Revolução
Francesa, é considerado o Pai da Química Moderna. Este lúcido cientista muito
contribuiu para o avanço da Ciência nos campos da química geral e da química
orgânica.)
Infelizmente,
existem significativas e graves destruições no nosso Planeta em razão da
desmedida ambição humana. A título de sustentação de preços de mercado,
teóricos economistas, há algumas décadas, sustentavam a vantagem da destruição
de produtos e colheitas, como aconteceu no Brasil, na década de 1930, quando
milhares e milhares de toneladas de café foram queimadas, numa demonstração
inequívoca de insensibilidade, de egoísmo e de ignorância dos responsáveis por
tais desmandos. Enquanto se estendiam os campos de queima de café no Sul do
país, em estúpida destruição, populações inteiras do Nordeste e do Norte não
tinham meios de adquirir café para a sua alimentação. [...] Outros abusos que
têm provocado a reação e os protestos das populações esclarecidas de todo o
Planeta, por sua profunda repercussão no relacionamento entre os seres vivos e
o meio ambiente, são os problemas ecológicos. Relativamente recente tem sido a
conscientização das populações para esse tipo de destruição, que o homem,
consciente ou inconscientemente, vem provocando na terra, nas águas e na
atmosfera. [...] Não se pode deixar de reconhecer que os novos processos
tecnológicos, aliados à enorme proliferação dos estabelecimentos fabris, sem os
necessários cuidados capazes de evitar a poluição, vão causando a destruição da
vida animal nos rios, lagos e mares, com o contínuo lançamento de dejetos e
resíduos industriais nas águas, ao mesmo tempo que fábricas e máquinas de toda
espécie contribuem para poluir a atmosfera. Some-se a tudo isso a destruição
contínua das florestas e de muitas espécies animais e ainda a ameaça das
bombas, usinas e lixo atômico e tem-se um quadro sombrio das condições materiais
do mundo contemporâneo, agravando-se pelo descuido, imprevidência e
deseducação, gerando o desequilíbrio mesológico e perspectivas pouco
animadoras.14 Sabemos, entretanto, que a destruição abusiva irá desaparecer,
paulatinamente, da Terra, em razão do progresso moral e intelectual do ser
humano. Atualmente já existe um número significativo de indivíduos e
organizações, espalhados pelo mundo, seriamente trabalhando para que a vida no
Planeta se desenvolva num clima de equilíbrio, o que demonstra uma
conscientização mais ampla a respeito desse assunto.