O homem que desconhece
Deus e não quer saber que forças, que recursos, que socorros d´Ele promanam,
esse é comparável a um indigente que habita ao lado de palácios, cheios de
tesouros, e se arrisca a morrer de miséria diante da porta que lhe está aberta
e pela qual tudo o convida a entrar.
A crença em Deus [...] se
afirma e se impõe, fora e acima de todos os sistemas, de todas as filosofias,
de todas as crenças. O homem [...] não se pode desinteressar dela porque o
homem é um ser [pensante]. O homem vive, e importa-lhe saber qual é a fonte, qual
é a causa, qual é a lei da vida. A opinião que tem sobre a causa, sobre a lei
do Universo, essa opinião, quer ele queira ou não, quer saiba ou não, se
reflete em seus atos, em toda a sua vida pública ou particular.
A questão de Deus é o mais
grave de todos os problemas suspensos sobre nossas cabeças e cuja solução se
liga, de maneira restrita, imperiosa, ao problema do ser humano e de seu
destino, ao problema da vida individual e da vida social.
O conhecimento da verdade
sobre Deus, sobre o mundo e a vida é o que há de mais essencial, de mais
necessário, porque é Ele que nos sustenta, nos inspira e nos dirige, mesmo à
nossa revelia. A crença em Deus está instintivamente impressa na mente humana.
À medida que o homem evolui, apura-se também a crença em Deus. Dessa forma,
como nos ensinam os Espíritos Superiores, o sentimento instintivo de crer em
Deus nos prova que Deus existe. É também [...] uma consequência do princípio – não
há efeito sem causa.
Poder-se-ia argumentar que
a crença em Deus resulta da educação recebida, consequência das ideias
adquiridas. Entretanto, esclarecem os Espíritos da Codificação, se [...] assim
fosse, porque existiria nos vossos selvagens esse sentimento?
Opinando a respeito,
Kardec nos elucida: Se o sentimento da existência de um ser supremo fosse
tão-somente produto de um ensino, não seria universal e não existiria senão nos
que houvessem podido receber esse ensino, conforme se dá com as noções científicas.
Deus nos fala por todas as
vozes do Infinito. E fala, não em uma Bíblia escrita há séculos, mas em uma
bíblia que se escreve todos os dias, com estes característicos majestosos, que
se chamam oceanos, montanhas e astros do céu; por todas as harmonias, doces e
graves, que sobem do imo da Terra ou descem dos espaços etéreos. Fala ainda no
santuário do ser, nas horas de silêncio e de meditação. Quando os ruídos
discordantes da vida material se calam, então a voz interior, a grande voz
desperta e se faz ouvir. Essa voz
sai da profundeza da
consciência e nos fala dos deveres, do progresso, da ascensão da criatura. Há
em nós uma espécie de retiro íntimo, uma fonte profunda de onde podem jorrar
ondas de vida, de amor, de virtude, de luz. Ali se manifesta esse reflexo, esse
gérmen divino, escondido em toda Alma humana.
A história da ideia de
Deus mostra-nos que ela sempre foi relativa ao grau intelectual dos povos e de
seus legisladores, correspondendo aos movimentos
civilizadores, à poesia
dos climas, às raças, à florescência de diferentes povos; enfim, aos progressos
espirituais da Humanidade. Descendo pelo curso dos tempos, assistimos sucessivamente
aos desfalecimentos e tergiversações dessa ideia imperecível, que, às vezes
fulgurante e outras vezes eclipsada, pode, todavia, ser identificada sempre, nos
fastos da Humanidade. Liga-se [...] estreitamente à ideia de Lei, e assim à de dever
e de sacrifício. A ideia de Deus liga-se a todas as noções indispensáveis à
ordem, à harmonia, à elevação dos seres e das sociedades. Eis por que, logo que
a ideia de Deus se enfraquece, todas essas noções se debilitam; desaparecem,
pouco a pouco, para dar lugar ao personalismo, à presunção, ao ódio por toda
autoridade, por toda direção, por toda lei superior.
Diremos, pois, que
desconhecer, desprezar a crença em Deus e a comunhão do pensamento que a Ele se
liga [...] seria, ao mesmo tempo, desconhecer o que há de maior, e desprezar as
potências interiores que fazem a nossa verdadeira riqueza.
Seria calcar aos pés nossa
própria felicidade, tudo que pode fazer nossa elevação, nossa glória, nossa
ventura.
A ideia de Deus impõe-se
por todas as faculdades do nosso Espírito, ao mesmo tempo que nos fala aos
nossos olhos os esplendores do Universo. A inteligência suprema revela a causa
eterna, na qual todos os seres vêm haurir a força, a luz e a vida. Aí está o
Espírito Divino, o Espírito Potente, que se venera sob tantas denominações; mas,
sob todos esses nomes, é sempre o centro, a lei viva, a razão pela qual os
seres e os mundos se sentem viver, se conhecem, se renovam e elevam.
Viver sem a crença em um
ser superior é negar a obra da Criação; é omitir o evidente, o real; é
alimentar o nosso orgulho; é permanecer no estado de ignorância em que ainda
nos encontramos, é, em suma, negar a realidade que está ao alcance de todos,
pois tudo no Universo, o visível e o invisível, e, principalmente, a nossa consciência,
nos fala de um Ser superior.
A crença em Deus é, além
disso, questão essencial para o entendimento
da Doutrina Espírita.
Entretanto, para elucidar esse assunto de tão magna importância, [...] temos
agora recursos mais elevados que os do pensamento humano; temos o ensino
daqueles que deixaram a Terra, a apreciação das Almas que, tendo franqueado o
túmulo, nos fazem ouvir, do fundo do mundo invisível, seus conselhos, seus
apelos, suas exortações. Verdade é que nem todos os Espíritos são igualmente aptos
a tratar dessas questões. [...] Nem todos estão igualmente desenvolvidos; não chegaram
todos ao mesmo grau de evolução. [...] Acima, porém, da multidão das Almas
obscuras, ignorantes, atrasadas, há Espíritos eminentes, descidos das esferas [superiores]
para esclarecer e guiar a Humanidade. Ora, que dizem esses Espíritos sobre a
questão de Deus? A existência da Potência Suprema é afirmada por todos os
Espíritos elevados 6.
Todos [...] aqueles cujos ensinamentos têm reconfortado as nossas almas,
mitigado nossas misérias, sustentado nossos desfalecimentos, são unânimes em
afirmar, em repetir, em reconhecer a alta Inteligência que governa os seres e
os mundos.
Eles dizem que essa
Inteligência se revela mais brilhante e mais sublime à medida que se escalam os
degraus da vida espiritual.
Assim, nos esclarecem os
Espíritos Superiores na primeira questão de O
Livro dos Espíritos:
Que é Deus?
Deus é a inteligência
suprema, causa primária [primeira] de todas as coisas.
Afirmando a existência de
uma causa primeira no Universo, os Espíritos
Superiores trazem, dessa
forma, um novo conceito de Deus para a Humanidade, oposto à ideia de um deus
antropomórfico, parcial e vingador, apresentado pelas religiões de um modo
geral. Pode-se levar mais longe do que temos feito a definição de Deus? Definir
é limitar. Em face deste grande problema, a fraqueza humana aparece. Deus
impõe-se ao nosso Espírito, porém escapa a toda análise. O Ser que enche o
tempo e o espaço não será jamais medido por seres limitados pelo tempo e pelo
espaço. Querer definir Deus seria circunscrevê-lo e quase negá-lo [...].
Para resumir, tanto quanto
podemos, tudo o que pensamos referente a Deus, diremos que Ele é a Vida, a
Razão, a Consciência em sua plenitude. É a causa eternamente operante de tudo o
que existe. É a comunhão universal, onde cada ser vai sorver a existência, a
fim de, em seguida, concorrer, na medida de suas faculdades crescentes e de sua
elevação, para a harmonia do conjunto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário